quarta-feira, maio 06, 2015

Porque eu não quis conhecer a sua geladeira

Cada cômodo de uma casa carrega um pouco de intimidade.
O banheiro e o quarto talvez sejam os mais íntimos. Depois vem a cozinha
com a sua geladeira.

Da segunda vez que te visitei, você me apresentou sua cama.
Da terceira, você quis me apresentar sua geladeira.
Eu não quis conhecer a sua geladeira.

Eu não quis conhecer sua geladeira porque
eu me recusei a conhecer uma intimidade da qual eu estava
prestes a sair

Eu não quis conhecer sua geladeira porque
eu sabia que seria a primeira e a última vez que a veria.

Eu quis conhecer a sua cama
porque eu queria voltar lá
mas acabei não voltando

Me lembro muito bem da sua cama
Já da sua geladeira
eu só tenho aquela memória
de quando passei pela entrada da sua cozinha

Azul II

Engaiolado
preso
soterrado por cigarros
e bebida
e mulheres

essa angústia de nunca
conseguir ser nada
que já não tenha
sido
              sido

Azul

Comecei a fazer um poema
mas percebi que alguém
já o tinha escrito

estava prestes a escrever
algo sobre essa dor
que mora dentro de mim
que é única
mas que culmina na mesma
tristeza
que outrora fora traduzida
em um
pássaro
Me exausta sentir
Não durmo há dias
Não como há semanas

Há vida em tudo o que vejo
A vida em tudo o que vejo
Apodrece

Sobram-se apenas o sentir latente
que me mata.
Não há mais vida no que vejo

se é que vejo

tenho para mim que
apenas
sinto
Sinto tanto
Que rasga a minha carne
perfura meus ossos
esmaga meus órgãos
espreme meu coração como se
para esvaziar ali de tudo o que
sinto

Sinto tanto que meu
cerne transborda
me inunda
me sufoca
e transborda
Quando e se me esvazio de sentir
a maré cresce
mais do que comporto
grita latente
insistente
doente

me dói tanto
o que se
sente